EUA querem se aproximar do Brasil, acompanhemos os passos de Patriota

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Apostas da política externa brasileira

Por: Sergio Leo, no Valor

09/05/2011

Há um termo em inglês, difícil saber se é wishful thinking ou inside information, para o que pensam integrantes do alto escalão em Brasília: eles acreditam que, em breve, o Brasil pode perder um dos embaixadores com maior trânsito dos últimos anos na cúpula do governo brasileiro e a América Latina ganharia, em Washington, um raro diplomata americano com profundo conhecimento e interesse em relação à região. Com a rearrumação do governo Barack Obama a aposta, em certos gabinetes brasilienses, é de que o atual embaixador dos EUA no Brasil, Thomas Shannon, assumirá o posto de subsecretário de Estado para Assuntos Políticos, o número três na hierarquia da diplomacia americana.

O anúncio, há dias, da demissão do titular da Subsecretaria de Estado para o Hemisfério Ocidental, Arturo Valenzuela, levou o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, a brincar com Shannon, perguntando ao embaixador se ele estaria se preparando para assumir o posto, que já foi dele, antes da nomeação para a embaixada em Brasília. Shannon teria dito a Garcia que é feliz onde está. Deve ser verdade, o diplomata americano, que fala um português bem razoável, adora o Brasil, onde já morou nos anos 80. Mas, aparentemente, a secretária de Estado, Hillary Clinton, tem outros planos.

Como Valenzuela, o secretário de Estado adjunto, James Steinberg, segundo em poder na diplomacia dos EUA, anunciou, em abril, sua saída do governo, para assumir um posto de comando em uma universidade americana. Hillary informou que William Burns, o atual subsecretário para Assuntos Políticos, será promovido. Sai um dos artífices da estratégia de aproximação dos EUA com a China e entra um especialista com intensa atuação recente em questões do Oriente Médio e negociações com o Irã.

Com a promoção de Burns, a ascensão de Thomas Shannon, um dos mais eficientes diplomatas dos EUA, faz todo o sentido. E põe Shannon em posição para influir na substituição de Valenzuela, um posto abaixo ao de secretário de Estado adjunto, e do futuro embaixador americano no Brasil.

Burns, ciceroneado por Shannon, estará no Brasil nesta semana, para contatos de alto nível com autoridades brasileiras (só como curiosidade, Burns exerce a diplomacia com o senso de observação de um romancista: há algum tempo, foi comparado nos jornais "Guardian" e "El País" ao irônico escritor britânico Evelyn Waugh por seu espirituoso e imperdível relato de um casamento na ex-república soviética do Daguestão, vazado pelo Wikileaks.

É uma visita oportuna, a de Burns. É preciso retomar as conversas iniciadas durante a visita ao Brasil de Barack Obama, de quem o governo brasileiro andou reclamando durante a ida de Dilma Rousseff à China. Obama foi mais simpático, mas os chineses são mais objetivos, criticou o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, ao Valor, um comentário que teria sido repetido pela própria Dilma, segundo o colunista de "O Globo", Ilimar Franco. Além de facilitar a retomada de contatos de Brasília com Washington, a elevação funcional de Burns e Shannon ajuda a evitar ruídos de comunicação, já que ambos são diplomatas de grande interlocução abaixo do Equador.

E não faltarão razões para ruídos. Contrariamente ao que se especulou pouco após a eleição de Dilma, a presidente não parece decidida a recolher os tentáculos diplomáticos lançados em direção a regiões minadas como o Oriente Médio, especialmente agora, quando o Brasil ocupa um assento temporário no cobiçado Conselho de Segurança das Nações Unidas. Na semana passada, ao receber no Planalto o presidente da Alemanha, Christian Wulff, Dilma reclamou da política monetária estadunidense, apontadas como uma das razões da inflação mundial, e criticou a ação das forças da Otan na Líbia. O tipo de declaração que, no governo Lula, os críticos da política externa atribuíam a um mal justificado antiamericanismo.

O ministro de Relações Exteriores, Antônio Patriota, viajou no fim de semana ao Egito, onde não só teve reuniões com o novo chanceler do país, Nabil al-Araby, como teve um encontro com o secretário-geral da Liga dos Estados Árabes, Amr Moussa, um dos elementos-chave do mundo árabe na discussão sobre a intervenção ocidental na Líbia. Conversas com as autoridades da África do Sul, que vêm chefiando esforços diplomáticos para solução da crise líbia, também estiveram na agenda de Patriota recentemente.

O pretexto e razão da atuação diplomática brasileira na região é o papel brasileiro no Conselho de Segurança. O Brasil está, com China e Rússia, entre os países que se opõem às intenções de membros da Otan de aumentar o envolvimento de governos estrangeiros no ataque ao ditador Muamar Gadafi, com fornecimento de recursos aos rebeldes líbios. O assunto certamente deverá constar das manifestações dos governos do Brasil e da Venezuela, durante a visita, amanhã, do presidente venezuelano, Hugo Chávez, ao Brasil.

Os indícios de que as mudanças na política externa brasileira são bem menores do que previram alguns analistas — mais por wishful thinking que por qualquer informação interna da diplomacia de Dilma — dão relevo à importância da esperada nomeação de Burns e Shannon para postos mais altos na administração Obama. São, ambos, bons interlocutores do Brasil, e podem contribuir para evitar a escalada de desentendimentos que esfriou o relacionamento bilateral nos últimos anos do governo Lula.

Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras

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