DIREITOS HUMANOS

O que há por trás da expressão "pintou um clima"? – Por Sol Massari

Essas atitudes, além de desrespeito aos direitos humanos, dificultam o processo de inclusão social de migrantes e refugiados nos países de acolhimento

Jair Bolsonaro.Créditos: Reprodução/ Grupo Jovem Pan
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Nos últimos dias tem se falado muito sobre a postura do atual presidente do Brasil sobre as meninas venezuelanas. A forma como ele se comportou viola vários artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente, como os direitos ao respeito, à dignidade e à integridade psicológica, direitos esses que também estão previstos no artigo 227 da Constituição Federal.

Além disso, é nítida à discriminação por elas serem venezuelanas, bem como estarem em situação de vulnerabilidade social, sendo tratadas como prostitutas, pelo simples fato de estarem “arrumadinhas”. Uma fala impregnada de xenofobia e de preconceito.

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Importante pontuarmos que, entre 2015 e maio de 2019, o Brasil registrou mais de 178 mil solicitações de refúgio e de residência temporária. A maioria dos migrantes entra no país pela fronteira norte do Brasil, no estado de Roraima. No entanto, ao chegarem a um lugar diferente, distante do seu local de origem, muitas vezes essas pessoas são tratadas com desrespeito e intolerância pelo simples fato de serem de outra região.

Milhares de migrantes e refugiados sofrem com a xenofobia ao saírem do seu lugar de origem. Esse fenômeno de discriminação tem aumentado por conta do grande fluxo migratório no mundo atual.

No Brasil, por exemplo, de acordo com dados da Secretaria Especial de Direitos Humanos, houve um crescimento de 633% das denúncias de xenofobia entre os anos de 2014 e 2015.

Essas atitudes, além de desrespeito aos direitos humanos, dificultam o processo de inclusão social de migrantes e refugiados nos países de acolhimento.

Se a Constituição Federal de 1988 estivesse sendo protegida e respeitada como o documento que rege o ordenamento jurídico brasileiro, o combate à xenofobia seria garantido. Há um grupo que não leva em conta a Constituição. A falta de respeito à Carta Magna tem se tornado um problema crônico no Brasil. Pessoas buscam cotidianamente rasgá-la por garantir as questões sociais e direitos humanos, ambos temas renegados por todos que cercam o atual presidente.

Mas, nesse triste episódio, houve desrespeito também à Lei nº 9.459/1997, que regula crimes resultantes de preconceitos de raça ou cor. De acordo com seu o artigo 20, é proibido: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

No entanto, o que vimos e ouvimos do Chefe da Nação foi a negação do que rege o Brasil. Durante uma entrevista a influenciadores de torcidas de futebol, na data de 14 de outubro de 2022, ele falava sobre a situação da Venezuela e a vinda de venezuelanos para o Brasil, quando, de maneira machista, preconceituosa e com teor de xenofobia, diz:

“Eu estava em Brasília, na comunidade de São Sebastião, se eu não me engano, em um sábado de moto [...] parei a moto em uma esquina, tirei o capacete e olhei umas menininhas... Três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas, num sábado, em uma comunidade, e vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. 'Posso entrar na sua casa?' Entrei. Tinha umas 15, 20 meninas, sábado de manhã, se arrumando, todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos, se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida", conforme contam vários meios de comunicação.

É o mesmo raciocínio de quando ocorreu a revelação do então deputado estadual, Artur do Val, sobre as mulheres da Ucrânia. Na ocasião, ele dizia que “as refugiadas ucranianas são fáceis porque são pobres”. Para esse tipo de pessoa, as mulheres e as meninas pobres e moradoras de regiões vulneráveis não podem se arrumar sem a lógica perversa das mentes depravadas que rapidamente as associam à prostituição.  

Um Chefe de Nação não poderia expor tal situação com teor sexual, pois o termo “pintou um clima”, de fato, tem teor sexual, conforme levantamento a respeito do idiomatismo realizado por Monclar Lopes, professor adjunto do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas na UFF - Universidade Federal Fluminense.

Essa fala demonstra uma prática de desprezo às mulheres e deixa a dúvida do por que ele entrou na casa delas? Qual o objetivo real? Até o momento, não houve uma única explicação plausível sobre se ele estava preocupado com a exploração sexual das adolescentes.

Outra questão, que é consternadora, é sobre o uso do termo “pintou um clima”, que para conter danos, a primeira-dama Michelle Bolsonaro saiu em defesa do presidente e argumentou que ele costuma usar a expressão de forma corriqueira, em diversas situações da vida cotidiana. Porém, no levantamento realizado pelo Estadão, no qual consultou uma base de dados que contém transcrições de 128 lives realizadas por Jair Bolsonaro, entre 2019 e 2022, em nenhum momento a expressão aparece. Assim, cai por terra a tese de que o termo é habitual.

Essa reflexão é em prol de todas as meninas deste nosso Brasil, que são exploradas sexualmente, que são vítimas de pedófilos, que são vítimas da violência social. Que por serem filhas de famílias pobres, não têm direito de estarem “arrumadinhas”, sem se tornarem presas fáceis das mentes perturbadas. 

*Sol Massari é mestre em Serviço Social e defensora dos Direitos Humanos.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.