DIREITOS TRABALHISTAS

Vida Além do Trabalho: O movimento que luta pelo fim da escala 6x1

Em entrevista à Fórum, o fundador do movimento e especialistas debatem as consequências mentais e físicas da longa jornada de trabalho

Rick Azevedo durante ato da Central do Brasil (RJ).Créditos: Arquivo Pessoal
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Depois da sua única folga na semana, Rick Azevedo recebeu uma ligação da sua supervisora avisando que teria que chegar mais cedo no trabalho no dia seguinte. Aquela folga, que já não tinha sido o suficiente para ele descansar, seria ainda mais reduzida. Azevedo, que na época trabalhava como atendente em uma farmácia, decidiu postar um vídeo desabafando em suas redes sociais sobre a exaustiva jornada de trabalho 6x1. Ele só não esperava que o vídeo tomasse proporções nacionais e resultasse em uma petição com quase 700 mil assinaturas e grupos que reúnem trabalhadores de todo o país em uma única luta: uma vida além do trabalho.

O influencer e ativista tocantinense, mas morador do Rio de Janeiro, conta que o vídeo começou a crescer tanto que ele percebeu que não seria só mais um conteúdo viral e que algo maior estava por vir. “No vídeo eu indago as pessoas e faço uma convocação: ‘quando é que a gente vai meter o pé na porta e fazer uma revolução relacionada a isso?’. E aí as pessoas reagem afirmando que ‘sim, a gente precisa agir e retirar a escala 6x1’”, acrescenta Rick, que precisou desistir de duas graduações devido a esse modo de trabalho, além de ter desenvolvido transtornos emocionais.

O desabafo de Rick veio após mais de dez anos trabalhando em escala 6x1, onde o empregado CLT trabalha seis dias na semana e tem um dia de folga. Para ele, essa escala faz parte do pensamento escravista dos empresários brasileiros que “acham que o trabalhador é pior que uma máquina”, e que precisa ser combatido. 

O Movimento Vida Além do Trabalho (VAT) surge, então, com o objetivo de pôr fim à escala 6x1 e implementar “alternativas que promovam uma jornada de trabalho mais equilibrada, permitindo que os trabalhadores desfrutem de tempo para suas vidas pessoais e familiares”, como diz a petição pública com 656.731 assinaturas até o momento de publicação desta matéria. 

Quando iniciou essa campanha, Azevedo costumava publicar um conteúdo dedicado, principalmente, à cultura pop. Hoje, seu TikTok é voltado à luta que fundou sem maiores intenções, e deseja ampliá-la. “Eu percebi que a gente precisaria de um movimento trabalhista organizado para isso e então surge o VAT, que tem como primeira pauta o fim da escala 6x1, mas é um movimento que busca futuramente lutar por outras questões também”, explica.

Rick Azevedo durante ato na Central do Brasil (RJ). Foto: Arquivo pessoal

Trabalho e saúde mental

A fadiga e o estresse estão entre os sintomas mais referidos pelos trabalhadores nos estudos sobre sofrimento mental no Brasil e no mundo, segundo a psiquiatra e pesquisadora do Laboratório de Ética nas Relações de Trabalho e na Educação da UFRJ, Silvia Jardim. “A fadiga, como sintoma isolado, também está fortemente associada a outros sintomas ou síndromes mentais mais complexas em trabalhadores ativos e afastados do trabalho”, diz. Desde 1999, a Lista Brasileira de Doenças Relacionadas ao Trabalho inclui a Síndrome de Burnout (Síndrome do Esgotamento Profissional), o que comprova a associação entre estresse crônico no trabalho e a ocorrência de transtornos mentais.

O psicólogo e pesquisador da Rede de Estudos do Trabalho, Bruno Chapadeiro, ressalta que a redução da jornada de trabalho sempre foi uma pauta do movimento sindical, mas que sempre foi um impasse com o empresariado porque é justamente com o tempo de trabalho não pago que ele extrai a mais-valia e seu lucro.

Rick conta que desenvolveu depressão e ansiedade devido a mais de dez anos com a pressão da escala 6x1. “Eu sou uma pessoa que tem muita ansiedade com tudo relacionado ao trabalho. Se eu tenho que entregar alguma coisa com determinado prazo, eu já fico ansioso. E tudo isso é devido à pressão psicológica que eu sofri em dez anos na escala 6x1”, desabafa. “A escala 6x1 adoece.

Além disso, ele afirma que esse modo de trabalho também traz consequência à forma como o trabalhador deixa de se enxergar capaz de realizar atividades em sua vida. “Você fica se sentindo inútil porque não consegue fazer tudo que você quer fazer da sua vida, sendo que a escala 6x1 contribui para que você não consiga estudar, não consiga ter vida além do trabalho, para que você não consiga ter vida com as suas famílias”, diz.

Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) em conjunto com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontou que exceder o limite de 40 horas semanais com frequência pode gerar problemas fatais. Entre 2000 e 2016, cerca de 750 mil pessoas morreram devido às longas horas de trabalho, segundo o documento. No Brasil, a CLT impõe 44 horas semanais ao empregado. 

“Então a gente está nessa luta para mobilizar os trabalhadores. O nosso objetivo, nesse momento, é pressionar o Congresso para que eles [parlamentares] façam essa mudança, porque não sou eu que estou falando, é o Ministério da Saúde: os trabalhadores estão entrando em colapso e adoecendo devido às doenças causadas pelo trabalho”, diz Rick.

Rick Azevedo durante ato na Central do Brasil (RJ). Foto: Arquivo pessoal

Realidade brasileira

Alguns países, como Alemanha, França e Reino Unido, adotaram a diminuição da jornada de trabalho impulsionados pelo movimento 4 Day Week Global, que aplica programas pilotos com a jornada 4x3. No Brasil, em 2023, 22 empresas começaram a testar o modelo. 

Após essas experiências, os empregadores argumentam que os empregados acabam até por produzir melhor. Para Sílvia, essa justificativa pode ser perigosa. “A lógica deve ser invertida: precisamos trabalhar para viver e não mais viver para trabalhar. E a ênfase não pode e nem deve ser no aumento de produtividade que isso possa trazer”, defende. "Acho que temos que enfatizar que o fim da escala 6x1 melhora a vida dos trabalhadores e de todos em sociedade”, acrescenta a pesquisadora.

Chapadeiro também alerta para essa questão, afirmando que a discussão sempre gira em torno desse primado econômico. “A gente precisa ir além disso e tentar entender que o lazer é importante para nós enquanto seres humanos”, complementa.

Além disso, Chapadeiro ressalta que é preciso ter cuidado ao importar movimentos estrangeiros e considerar as peculiaridades da realidade brasileira ao discutir a redução da jornada 6x1. Nos Estados Unidos, por exemplo, temos a Grande Resignação (Great Resignation), movimento em que milhares de trabalhadores se demitiram em massa. Dentre muitas razões, a exaustão mental está entre elas.

No Brasil, porém, a gente precisa olhar para a realidade desigual com recortes de raça, gênero, classe e etário, conforme Chapadeiro, já que não é qualquer pessoa que pode simplesmente se demitir de seu emprego. “Nós já tivemos muitas perdas com a Reforma Trabalhista de 2017, a anterior da terceirização e a Reforma da Previdência”, considera o pesquisador, que também afirma que o Brasil “tem caminhado para uma norte-americanização da sua economia no setor de serviços”.

Para além do fim da jornada 6x1

Para Chapadeiro, também é preciso levar em consideração outra questão. Ele indaga se com a diminuição da jornada de trabalho, as pessoas realmente vão conseguir ter tempo livre ou vão arranjar mais um emprego para complementar renda, ou intensificar o trabalho utilizando os dias livres para realizar tarefas profissionais.

Não é preciso só diminuir o expediente, também é necessário discutir a forma como o trabalho está organizado, de acordo com o pesquisador. “O que adianta [somente a diminuição da jornada] se eu não tenho autonomia e controle sobre o meu trabalho? Eu vou ter um dia a mais e nesse dia eu vou estar fazendo bicos, vou estar estudando para me especializar mais ou vou estar tendo que dar conta de uma demanda”, complementa.

O medo do desemprego, por exemplo, já faz com que muitas pessoas fiquem totalmente ligadas ao trabalho até mesmo fora do horário de serviço, o que foi facilitado pelas plataformas digitais.

“A gente já criou essa cultura do cansaço, tanto que geralmente falamos para os outros ‘eu tô correndo, eu tô ocupado’, porque eu não estar ocupado dá a sensação de que a gente está inerte. Tanto que se a gente fala que está de férias ou que não está preocupado com o trabalho, as pessoas comumente respondem ‘que vida boa’. Ou seja, a gente tem uma sociedade que tem uma ode ao trabalho, que vem da ideia de que o trabalho edifica o homem”, pontua Chapadeiro.

Essa questão também é um desafio para Rick, que apesar de ter muito apoio, também recebe hater de alguns trabalhadores que o chamam de “vagabundo” e o acusam de querer “enfraquecer a economia”. Para ele, isso acontece devido à romantização do trabalho. “A burguesia alienou a grande massa romantizando o excesso de trabalho, afirmando que quanto mais você trabalhar, mais sucesso profissional você vai ter”, diz. “Mas isso é uma mentira. O sucesso profissional não está ligado ao excesso de trabalho e sim ao equilíbrio entre vida pessoal e vida profissional”, defende. 

Apesar da luta árdua, Rick afirma que é uma pessoa muito corajosa e já está organizando uma grande manifestação em Brasília que deve reunir trabalhadores de todo o país. “A minha missão é acabar com a escala 6x1”, declara.