MORTICÍNIO

A cada quatro horas, uma pessoa negra foi morta pela polícia em 2022, aponta estudo

Pesquisa “Pele Alvo: a bala não erra o negro” concluiu que 90% das vítimas da polícia são pessoas negras

Bahia lidera ranking de número de mortes por violência policial.Créditos: Reprodução
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Novo estudo revela que, em 2022, uma pessoa negra foi morta pela polícia a cada 4 horas em 8 estados do país. A pesquisa, conduzida pela Rede de Observatórios, utiliza dados fornecidos pelas secretarias de segurança pública sob a Lei de Acesso à Informação (LAI).

Nos estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, São Paulo e Rio de Janeiro, a proporção é, em média, de nove em cada dez vítimas da polícia por possuírem a pele negra. Em 2022, ocorreram 4.219 mortes em intervenções policiais nos estados mencionados. Dos registros disponíveis, 3.171 especificam a cor/raça das vítimas, revelando que 87,35% delas, ou seja, 2.770 pessoas, são identificadas como negras.

Bahia supera Rio de Janeiro em número de letalidade

A faixa etária predominante entre os mortos foi de 18 a 29 anos, representando 74,21% do total. Na cidade de Salvador, especificamente, ocorreram 438 mortes nessa faixa etária, sendo 394 delas de pessoas negras. Além disso, destaca-se um dado preocupante no estado baiano: no período de 2015 a 2022, as mortes resultantes da violência policial aumentaram em 300%.

O estado que anteriormente apresentava a maior incidência desse tipo de crime contra negros, e que agora ocupa a segunda posição, é o Rio de Janeiro, com 1.042 mortes registradas. Em conjunto, Bahia e Rio de Janeiro respondem por 66,23% dos óbitos analisados no estudo.

Número pode ser ainda maior

Os pesquisadores destacaram a subnotificação da informação racial nas mortes por intervenção policial. "Os maranhenses não incluem essas informações. No Ceará, os registros foram feitos em 30% do total, e no Pará, em 33%”, disse a cientista social Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios. "É necessário tornar a letalidade de pessoas negras causada por policiais uma questão política e social.”

Entre as 4.219 ocorrências analisadas, um quarto delas, ou seja, 1 em cada 4, não continha informações sobre a cor. A Bahia liderou em termos de proporção de vítimas negras, registrando 94,7% (1.121 mortes), considerando que pretos e pardos compõem 80% da população no estado. Em seguida, estão o Pará (93,9%), Pernambuco (89%), Piauí (88%) e Rio de Janeiro (86%).

“Não teve troca de tiros, não teve nada. Quem atirou no meu filho não foi ladrão, foi a viatura"

Em julho deste ano, Gabriel Silva da Conceição Júnior, um menino de 10 anos morreu após ser baleado no rosto no bairro de Portão, situado em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador.

A mãe de Gabriel, Samile Costa, disse em entrevista ao g1, que policiais chegaram atirando na rua. "A viatura da 21ª CIPM já chegou atirando. Não teve troca de tiros, não teve nada. Quem atirou no meu filho não foi ladrão, foi a viatura da 21ª CIPM", afirmou na época. Desolada, concluiu: “Uma criança estudiosa, carinhosa, eu não tenho o que falar do meu filho. Eles dizerem que meu filho, uma criança de 10 anos, estava em uma boca de fumo? Eu não aceito, meu filho não estava”.

Para o líder comunitário, Ney Lázaro, "é sempre o copiar e colar: 'Cheguei, fui recebido a bala e revidei'. Essa é a justificativa da Polícia Militar, que é quem representa o Estado. A população já não aguenta mais conviver com essa triste realidade que vivemos", ressaltou na entrevista.

Veja o ranking por estado:

Bahia

A Bahia alcançou a posição de destaque no ranking, registrando 1.465 vítimas em 2022, das quais 1.121 eram negras. No período de 2015 a 2022, observou-se um aumento de 300%. As pessoas negras compuseram 94,7% das mortes, sendo que 74% delas tinham idade entre 18 e 29 anos.

Rio de Janeiro

No ano de 2022, os agentes de segurança foram responsáveis pela morte de 1.042 pessoas negras, correspondendo a 87% dos casos no segundo estado com o maior número de mortes pela polícia. Isso equivale a uma pessoa negra perdendo a vida a cada 8 horas e 24 minutos.

Pará

O Pará ocupa a terceira posição no total de mortes por intervenção policial, registrando uma vítima a cada 14 horas. A Rede de Observatórios destaca que, com 631 casos, o estado possui mais vítimas do que São Paulo, mesmo tendo apenas um quinto da sua população.

Além disso, o Pará enfrenta subnotificação no registro de cor/raça, com a omissão dessa informação em relação a 66% das vítimas. No entanto, nos casos em que a cor e a raça são identificadas, as pessoas negras representam 93,9%, conforme aponta o estudo.

São Paulo

No estado paulista ocorre uma morte a cada 23 horas por intervenção policial, onde 40% da população é negra, 64% das vítimas são dessa categoria racial.  De acordo com informações da Rede de Observatórios, em relação a 2019, houve uma redução de 48,3% nas mortes em 2022, atribuída ao uso de câmeras corporais.

Ceará

"Nos casos com a informação, 80,4% das mortes foram de negros", revelou o estudo. Em 69% das 152 mortes registradas no ano passado, a raça/cor das vítimas não foi identificada.

Maranhão

No conjunto dos oito estados, o Maranhão se destaca como o único que não fornece informações sobre raça e cor em 100% dos casos. O estado registrou 92 vítimas de violência policial, sendo os jovens de 18 a 29 anos a grande maioria entre elas.

Pernambuco

O percentual de vítimas negras representou 89% do total de 87 casos informados com registros de cor e raça.

Piauí

Segundo a pesquisa, é fundamental “destacar ainda que o estado tem reduzido investimentos para políticas educacionais, culturais e econômicas de inclusão". Das 39 vítimas registradas, 88% eram de pele negra.

De acordo com Silvia Ramos, é preciso “alocar recursos que garantam uma política pública que efetivamente traga segurança para toda a população”.