Márcio Pochmann diz que resultado do PIB pode ser ainda pior no próximo trimestre

O economista e professor da Unicamp também alerta que a crise hídrica pode parar o país em outubro

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O Produto Interno Brasileiro (PIB) apresentou queda de 0,1% no segundo trimestre deste ano na comparação com os últimos três meses de 2020, revelou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quarta-feira (1).

Em entrevista à Fórum, o economista e professor da Unicamp (Universidade de Campinas) Márcio Pochmann comentou o resultado do PIB e afirmou que ele reflete a ausência de uma equipe econômica no governo federal e que hoje a economia brasileira é uma “fazenda”.

“Os dados do IBGE já têm a dimensão do fazendão em que se transforma a economia brasileira, porque o desempenho da economia passa a depender do desempenho do agronegócio”, analisa Pochmann.

Pochmann também comenta sobre a crise hídrica do Brasil, compara com os governos de FHC (1994-2002) e afirma que o próximo trimestre pode ser ainda pior. “As informações apontam que em outubro o país pode parar porque não vai ter energia. A solução que o governo encontra é a solução do mercado: aumenta o valor da energia, como se o mercado por si só organizasse a atividade econômica. Se isso se confirmar, nós teremos um trimestre muito ruim, o quarto trimestre pode ser muito ruim”, alerta o economista.

Fórum: Como você avalia o resultado do PIB anunciado hoje pelo IBGE?

Márcio Pochmann: Os dados do IBGE já têm a dimensão do fazendão em que se transforma a economia brasileira, porque o desempenho da economia passa a depender do desempenho do agronegócio.

Do ponto de vista dos setores, a agropecuário foi o que teve o pior desempenho (2,8), a Indústria -0,2 e os serviços 0,7, quando se compara o primeiro trimestre com o anterior.

As comparações com o ano passado são complicadas porque os dados dão uma dimensão que não parece real.

Isso faz com que a gente tenha uma economia cada vez mais dependente com o desempenho do agronegócio, não é mais a indústria ou até o mesmo o serviço, que passam a ser setores dependentes da dinâmica da agropecuária.

Fórum: E o que significa a economia formatada dessa maneira?

Márcio Pochmann: De certa maneira é o resultado de um longo período, mas que se acelerou nos mais recentes por causa da desindustrialização. Não tem dinamismo interno, porque o agronegócio existe não para atender a economia nacional, existe para atender o mercado externo. Ou seja, o Brasil sempre a espera de um milagre externo.

A decisão que refletiria a sua emancipação seria tomar os rumos a partir de suas próprias pernas. Esses dados refletem o quanto a economia brasileira se tornou dependente do agronegócio, da ideia de um fazendão, da fazenda, que marcou o Brasil até 1920.

E o agronegócio, historicamente, desde o período colonial é que você tem uma produção voltada para a exportação. Então, a dinâmica do país é dada pelas exportações e para as exportações.

A última experiência que nós tivemos foi a economia cafeeira. Quer saber como está o Brasil, tem que ver como estão as fazendas de café. E nós estamos nesse rumo: quer saber como está o Brasil? Vamos ver primeiro como estão as fazendas de soja.

Segunda coisa: é a trajetória de desaceleração dos indicadores da indústria de ponta. Nós iniciamos o primeiro trimestre do ano passado, a economia brasileira tinha regredido 1,5%, no segundo trimestre regrediu 9%, aí veio o terceiro trimestre do ano passado cresceu 7,7%, aí o quarto trimestre cresceu 3,1%, fechou o ano passado. Aí veio o primeiro trimestre de 2021: 1,2% e agora -0,1%.

Essa talvez seja outra característica da economia brasileira: como o seu desempenho não está associado à retomada pelo mercado interno e, sobretudo, pelos investimentos, então se torna uma economia de república de banana: você tem uma profunda instabilidade. Cresce muito em determinado momento, depois cai muito, porque os setores estabilizadores de uma economia que é a indústria, representa cada vez menos.

Então, a indústria não tem condições de estabilizar a atividade econômica. Estamos condenados a essa oscilação e o que nós estamos vendo é que tivemos uma queda muito grande no primeiro semestre do ano passado, segundo semestre se recupera, mas com uma trajetória de declínio. É uma economia que não aponta para uma recuperação e com profunda oscilação.

Fórum: Quais são os caminhos para reverter esse quadro?

Márcio Pochmann: É virar a chave. Essa oscilação está associada a estímulos pontuais. O governo gastou no ano passado, teve um déficit, gastou muito… a despesa pública significou no ano passado 45% do PIB e isso significa endividamento.

Ou seja, nós não estamos diante de vetores que sustentariam a possibilidade de o país, pelo menos, recuperar a atividade econômica e ocupar a capacidade ociosa existente. Isso pode ser com estímulos ao consumo.

Mas, na verdade, não aponta para uma perspectiva de sustentabilidade da recuperação sem a retomada de investimentos.

O que fazer? Se nós olharmos as principais economias do mundo, tanto dos EUA, da União Europeia e da China, essas três economias têm planos de investimento de médio e longo prazo.

Planos de reestruturação econômica. Com forte investimento tecnológico e industrial. Nós temos hoje uma condução por uma equipe, não sei se dá pra dizer isso, no ministério que se diz da economia que aposta no espontaneísmo do mercado, o espontaneísmo do mercado depende das exportações e não da produção interna.

Se o plano olhasse a questão fundamental: forte investimento em economia digital, isso não existe no Brasil. Não está nos planos dos empresários, não está no plano do governo.

Infelizmente a economia brasileira hoje reflete o cancelamento do futuro. É uma economia sem futuro, pois depende de decisões tomadas por outros países.

Fórum: É interessante quando você fala de uma política econômica que cancela o futuro, porque o governo também desinveste em ciência.

Márcio Pochmann: Exatamente. É a desmontagem do sistema nacional de ciência e tecnologia. Tem duas grandes apostas hoje na economia do ponto de vista do século XXI: a economia digital que basicamente é o resultado do investimento do progresso tecnológico, na inteligência artificial, toda parte de robotização, a Tecnologia de Informação, nanotecnologia, tudo vinculado à ciência e tecnologia. E do outro lado está relacionado ao que se denomina de economia de transição ecológica e isso poderia ser o passaporte do Brasil para esse desenvolvimento, que são os biomas nacionais, especialmente da Amazônia, que está sob processo de destruição.

É um país cujo governo cancela o futuro.

Fórum: Estamos na iminência de uma crise hídrica/elétrica e isso pode piorar ainda mais a situação econômica do país.

Márcio Pochmann: O próprio governo queimou a ponte para recuperar a economia. De um lado ele colocou fogo através da liberação de preços, dos chamados macropreços: combustível e energia elétrica.

A liberação desses chamados macropreços contamina outros preços, porque são preços que formam outros preços: a energia elétrica forma o preço da indústria, do comércio, e forma preço também dos combustíveis.

Então você libera preços, esses preços vão rebater no conjunto de outros preços que resultam na aceleração da inflação. Com a inflação mais alta, o que acontece? Você retira o poder de compra da sociedade, as pessoas consomem menos, os preços sobem, o salário não cresce nesse sentido e você tem menos poder de compra, cai o potencial de consumo.

O Banco Central corre atrás de inflação elevando a taxa de juros, ao elevar a taxa de juros torna mais caro o dinheiro, portanto desincentiva qualquer possibilidade de investimento, tornando mais atrativo deixar o dinheiro no sistema financeiro do que correr o risco de desmonetizá-lo, torná-lo uma obra.

E para finalizar o desencanto do governo com políticas emancipatórias com relação ao problema hídrico. As informações apontam que em outubro o país pode parar porque não vai ter energia. A solução que o governo encontra é a solução do mercado: aumenta o valor da energia, como se o mercado por si só organizasse a atividade econômica. Se isso se confirma, nós teremos um trimestre muito ruim, o quarto trimestre pode ser muito ruim.

A experiência que nós temos é a experiência de 2001: durante o segundo governo de Fernando Henrique (1994-2002): em 1999 foi um ano muito ruim, a economia quebrou, em 2000 o país cresceu, a economia cresceu bem, o país vinha se recuperando e aí veio 2001, que foi o apagão de energia. Aí você pisa no freio, e o ano de 2002 foi muito difícil.