PARÁ

EXCLUSIVO: Mancha de garimpo nas águas faz Lula ganhar pontos em cidade bolsonarista

Lula teve pouco mais de 33% dos votos em São Félix do Xingu, o sexto maior município em área territorial do Brasil, com pouco mais de 130 mil habitantes, no Sul do Pará

Garimpo na região de São Félix.Créditos: Luiz Carlos Azenha
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O governador Helder Barbalho foi reeleito governador do Pará com mais de 70% dos votos em 2022.

Mesmo assim, o candidato apoiado por ele ao Planalto, Lula, teve pouco mais de 33% dos votos em São Félix do Xingu, o sexto maior município em área territorial do Brasil, com pouco mais de 130 mil habitantes, no Sul do Pará.

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Apesar de ocupar no imaginário sudestino o papel de “santuário amazônico”, o Pará tem hoje o segundo maior rebanho bovino do Brasil, logo depois de Mato Grosso.

Os ambientalistas ainda se referem ao sul do estado como parte do “arco do fogo”. Porém, quem sobrevoa a região logo percebe que se trata de uma região com áreas urbanas consolidadas.

As madeiras nobres da floresta amazônica original, como o mogno, já foram removidas. São Félix do Xingu não tem uma única serraria em funcionamento. 

O desmatamento se dá essencialmente para a abertura de novos pastos: a madeira derrubada muitas vezes apodrece no chão, uma vez que os donos de terras não querem se arriscar em transportá-la, com medo dos órgãos de fiscalização.

Ouvido pela Fórum no centro de São Félix, um pequeno agricultor, multado em 15 mil reais por desmatar 1,5 hectare de terra em área de proteção ambiental, repetiu um argumento que repercute na cidade: ele estava apenas tentando sobreviver.

Um óbvio eleitor de Jair Bolsonaro nos contou sobre o que repercute nos grupos de whatsapp locais: o governador Helder Barbalho e, portanto Lula, estariam “defendendo a Amazônia” movidos por dinheiro vindo do Exterior.

Os efeitos do garimpo e do desmatamento seriam restritos, insuficientes para causar as imagens de indígenas ianomâmi famélicos que chocaram o Brasil. Ou seja, no dizer deste entrevistado, os indígenas seriam os únicos responsáveis por seu próprio drama.

Esse tipo de argumento foi amplamente disseminado na Amazônia, onde o governo federal é frequentemente acusado de “travar” o desenvolvimento local.

Em São Félix do Xingu, ainda hoje lojas estão adornadas com bandeiras brasileiras. Pickups circulam com adesivos de Bolsonaro.

George Washington de Oliveira Sousa, preso pela Polícia Federal por planejar detonar um caminhão-tanque em Brasília, com o objetivo de provocar uma intervenção militar, chegou a escrever o rascunho de uma carta ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Ele se apresentou como gestor de quatro postos de gasolina de um parente no Pará, um deles em São Félix do Xingu.

“Conheço homens de Caráter, Respeitados e de coragem (Senhores) do Agro que estamos juntos desde 31/10/2022 nas estradas, quartel 52 BIS em Marabá-PA, chegando a Brasília dia 12/11/22, trazendo uma caravana com dezenas de ônibus e centenas de pick-up. Longe de Minha Família, Esposa, Filhos e negócios, mas jamais desistirei de nossa pátria”, escreveu.

Mesmo assim, existe um ponto de dissonância cognitiva nas cidades onde George Washington atuou. Em São Félix, é a poluição do rio Fresco, que deságua no Xingu bem diante do município.

Na memória dos moradores mais antigos, as águas do rio Fresco já foram tão cristalinas quanto as do Xingu.

Elas se tornaram muito mais turvas durante o mandato de Jair Bolsonaro, embora nem todos os moradores estabeleçam a relação de causa e efeito entre a poluição e o desmonte das políticas de defesa do meio ambiente.

Sem combate, o garimpo ilegal avançou rio Fresco acima, agora movido por grandes máquinas, que fazem em algumas horas o trabalho que antes levava meses para um garimpeiro tradicional fazer.

A imagem do rio barrento tem incomodado cada vez mais os moradores de São Félix.

Balsa sobre as águas distintas do Rio Fresco (direita) e do rio Xingu (Luiz Carlos Azenha)

Ouvido pela Fórum, um motoboy reclamou que teve de abandonar uma ilha no rio Fresco onde passava fins de semana com a família. Apesar de ter patrocinado a chegada de energia elétrica à ilha, ele desistiu do refúgio por temer danos de saúde aos filhos que se banhavam no rio.

O uso de mercúrio por garimpeiros para separar o ouro dos rejeitos é um fator importante de poluição ambiental e contaminação dos peixes.

Ouvido pela Fórum ao desembarcar de uma balsa que liga a APA Triunfo do Xingu à cidade, um ex-garimpeiro também criticou o uso das grandes máquinas, as escavadeiras aqui chamadas de PC.

Para ele, o garimpo hoje causa mais danos que benefícios.

Da mesma forma, o homem que foi multado por desmatar sem autorização se disse contra o garimpo.

Fez referência à imagem gravada na mente dos moradores da cidade: no encontro entre os rios Fresco e Xingu, as águas barrentas do primeiro se distinguem claramente das que correm em direção ao Parque Nacional do Xingu.

Encontro do Rio Fresco com o Xingu que impressiona moradores de São Félix (Luiz Carlos Azenha)

Nas ruas, os moradores descrevem em detalhes onde ficam os garimpos ilegais que revolvem o fundo do rio Fresco em busca de ouro, causando a turbidez das águas.

É muito difícil guardar segredo em uma cidade pequena, especialmente quando envolve o movimento de máquinas e mão-de-obra.

O coordenador de fiscalização ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará, Tobias Brancher, diz que tem imagens de satélite dos garimpos.

Porém, há dificuldades logísticas para combatê-los. O ônibus que transporta a Tropa de Choque da Polícia Militar do Pará não consegue chegar aos lugares mais remotos por causa da dificuldade de circular nas estradas improvisadas pelos garimpeiros.

Como o investimento em maquinário nos garimpos ilegais é alto, o temor de uma reação armada em caso de intervenção policial é grande.

Em 2016, o sargento João Luiz de Maria Pereira, do Grupamento Tático Operacional do Comando Regional da PM de Itaituba foi morto numa emboscada supostamente armada por madeireiros que exploram ilegalmente a Floresta Nacional do Jamanxim, em Novo Progresso.

Jair Bolsonaro recebeu quase 83% dos votos em Novo Progresso no segundo turno de 2022

A cidade está na lista de 15 municípios em que o governador do Pará, Helder Barbalho, declarou emergência ambiental.

Novo Progresso, Altamira e São Félix do Xingu formam grosseiramente um triângulo no qual o governo paraense pretende atuar nos próximos meses, em uma operação permanente, para tirar do Pará o título de maior desmatador do Brasil.

Politicamente, é uma operação arriscada para Helder Barbalho e Lula, que colocaram a defesa do meio ambiente no centro de suas agendas.

Em São Félix, no entanto, o exemplo vivo de um rio morto, que ironicamente leva o nome de “Fresco”, é indício de que a opinião pública está sujeita a mudar de lado se o debate ambiental se concentrar nos danos hoje visíveis às populações locais.