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Bolsonaro inelegível: Relator vota contra ex-presidente e escancara golpismo

"Os ilícitos perpetrados por Bolsonaro esgarçam a normalidade democrática", disse o ministro Benedito Gonçalves; Entenda o julgamento

Jair Bolsonaro (PL).Créditos: PT na Câmara
Escrito en POLÍTICA el

Com o voto do ministro Benedito Gonçalves favorável a tornar Jair Bolsonaro (PL) inelegível, o Tribunal Superior Eleitoral encerrou a sessão desta terça-feira (27) em que julga ação protocolada pelo PDT que pode retirar o ex-presidente da vida política por 8 anos, ou até as eleições de 2030. A ação julga o uso eleitoral da reunião feita pelo ex-presidente com embaixadores em julho de 2022. O julgamento será retomado na próxima quinta-feira (29), às 9h, com o voto do ministro Raul Araújo.

Logo no começo da sessão, Benedito Gonçalves decidiu manter o caso da minuta golpista encontrada na casa de Anderson Torres nos autos do processo. Para o ministro, a decisão de manter o documento e as provas e alegações dele decorrentes foi validada pelo TSE no último mês de fevereiro. Além disso, também apontou que o documento se relaciona com a ação ora analisada.

A decisão está de acordo com pedido do PDT, o autor da ação, de que o material faz parte de uma conjuntura mais ampla, que envolve não apenas o descrédito das eleições e do próprio TSE, mas os planos de golpe de Estado e abolição do Estado democrático de Direito gestados no interior do bolsonarismo. A defesa de Bolsonaro, por sua vez, alega que a minuta não teria relação com a reunião que o ex-presidente convocou com os embaixadores, objeto da ação do PDT.

Gonçalves também rejeitou o argumento dado por bolsonaristas de que estaria contradizendo o TSE em relação à decisão que em 2017, rejeitou a inclusão de novas provas contra a chapa Dilma-Temer.

A seguir, o relator fez uma análise do discurso de Bolsonaro na reunião com os embaixadores no Palácio da Alvorada e apontou que o ex-presidente tentou usar as Forças Armadas para submeter o TSE. “As Forças Armadas passaram a ocupar um papel central no discurso do investigado para confrontar o TSE no âmbito da normatividade de coordenação. Isso acabou dando contornos muito problemáticos à margem difundida em julho de 2022 para a comunidade internacional. Em discurso que tratava do pleito iminente, o então chefe de Estado brasileiro mencionou as Forças Armadas por 18 vezes, sempre com uma percepção hiperdimensionada do convite para integrar a comissão de transparência do TSE”, afirmou o relator.

“O pré-candidato lembrou a audiência por duas vezes sobre sua condição como chefe supremo das forças armadas para indicar que não endossaria uma ‘farsa’. Para se ter ideia a palavra democracia apareceu apenas 4 vezes. E em nenhuma delas foi reconhecida como um valor real do processo eleitoral,” finalizou a fala.

O documento que fundamenta o voto de Gonçalves possui 446 páginas. O ministro tentou resumir seu teor ao longo da sessão. Ele também citou o uso da máquina pública para promover desinformação sobre o processo eleitoral, taxou as acusações de Bolsonaro a servidores como "forjadas" e citou o golpismo vil do último governo antes de dar seu voto. "Os ilícitos perpetrados por Bolsonaro esgarçam a normalidade democrática. Ao propor uma cruzada contra uma inexistente conspiração para fraudar eleições, ele não estava perdido em auto engano. Estava fazendo política e fazendo campanha", afirmou o ministro.

“Julgo parcialmente procedente o pedido para condenar Jair Messias Bolsonaro pela prática de abuso de poder político e de uso indevido de meio de comunicação nas eleições de 2022 em razão de sua participação direta e pessoal na conduta ilícita praticada. Declaro sua inelegibilidade pelos 8 anos seguintes ao pleito de 2022", finalizou.

Próxima sessão

Na próxima quinta-feira (29), o ministro Raul Araújo abrirá as votações. Ainda que não seja certo, é possível que ele peça vista conforme Bolsonaro espera. Caso isso aconteça, a Corte terá um prazo de 30 dias para voltar a pautar a matéria.

Aos 64 anos, Araújo é conhecido por ter uma postura conservadora e tem mandato no TSE até 2024. Convidado para compor a Corte como representante do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi o responsável pela decisão que no ano passado proibiu manifestações políticas de artistas durante o festival Lollapalooza.

“O ministro Raul é conhecido por ser um jurista de bastante apego à lei. Apesar de estar em um tribunal político eleitoral, há uma possibilidade de pedido de vista. Isso é bom porque ajuda a gente a ir clareando os fatos”, afirmou Bolsonaro em entrevista a rádio gaúcha na última semana.

Após Araújo, votam os seguintes ministros em sequência: Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia (vice-presidente do TSE) e Nunes Marques. Ao final, o presidente do TSE Alexandre de Moraes encerra a votação.

Entenda o processo

O PDT protocolou a representação à Justiça Eleitoral em 2022 acusando o ex-presidente de cometer abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação ao realizar, em julho daquele ano, a três meses das eleições, uma reunião com embaixadores internacionais, no Palácio da Alvorada, em que promoveu ataques ao sistema eleitoral brasileiro.

Na reunião em questão, foi exibida uma apresentação de Power Point com teorias conspiratórias, já desmentidas em inúmeras ocasiões, sobre suposta fraude nas urnas eletrônicas. Entre as mentiras contadas por Bolsonaro, está, por exemplo, a de que as de que as urnas não são auditáveis.

“O ex-presidente da República, no uso das suas atribuições legais, abusou dessas atribuições ao convocar os embaixadores. Os embaixadores necessariamente tiveram que comparecer a essa reunião presidencial e, ao contrário do que se esperava, que seria uma comunicação presidencial da mais importante ordem, ele deu a esse evento uma roupagem eleitoral, inclusive, atacando as instituições e colocando dúvidas a respeito do sistema eleitoral brasileiro”, declarou à Fórum o advogado Renato Ribeiro de Almeira, professor de direito eleitoral e coordenador acadêmico da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

O advogado avalia que essa reunião de Bolsonaro com embaixadores fomentou movimentos golpistas que, depois das eleições, passaram contestar o resultado do pleito com atos antidemocráticos.

"Esse tipo de comportamento foi um gatilho pra que movimentos contestadores das eleições viessem a ocorrer por todo o país, tanto o ex-presidente se beneficiando quanto utilizando para os seus propósitos o cargo para o qual ele havia sido eleito e que ele exercia. Então, o abuso do poder político consiste nessa utilização de caminhos que a princípio são lícitos, que são legais mas que eles contenham algo a mais. Por isso, a questão do abuso, porque o representante do povo eleito ultrapassa a legalidade ao tentar, mediante as atribuições que lhe seriam lícitas, dar uma conotação eleitoral como foi o caso", detalha.

Outra mentira proferida pelo ex-presidente na reunião é sobre o inquérito da Polícia Federal, autorizado pelo STF, sobre suposto ataque hacker às urnas eletrônicas em 2018. O TSE, no entanto, já informou que, na apuração, foi concluído que não houve qualquer tipo de fraude ou alteração nos resultados. Mesmo assim, Bolsonaro trouxe o assunto novamente à tona e defendeu que as eleições municipais de 2020 não tivessem sido realizadas. "Até hoje esse inquérito não foi concluído. Entendo que não poderia ter as eleições de 2020 sem apuração", disparou.

Em meio às mentiras sobre o sistema eleitoral, Bolsonaro aproveitou a reunião com embaixadores, ainda, para atacar ministros do STF e TSE. Para os autores da ação, Bolsonaro realizou a reunião com embaixadores com o intuito de fortalecer sua narrativa de fraude no sistema eleitoral brasileiro para ter uma justificativa caso saísse derrotado - como aconteceu - do pleito e, assim, fomentar um movimento golpista que o mantivesse no poder.

Primeira sessão

O julgamento começou na última quinta-feira (22) quando o corregedor-geral eleitoral e relator da ação, o ministro Benedito Gonçalves, leu o relatório. Em seguida foram ouvidos os advogados de acusação e de defesa de Bolsonaro. A sessão finalizou com o pedido de Paulo Gonet Branco, vice-procurador-geral eleitoral, pela inelegibilidade de Bolsonaro.

"Todo o evento foi montado para que o pronunciamento se revelasse como manifestação do Presidente da República, chefe de Estado, daí a chamada de embaixadores estrangeiros e o ambiente oficial em que a reunião ocorreu. O abuso do poder político está positivado", declarou Gonet.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) responde a 17 ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) referentes a ataques às urnas, difusão de teorias conspiratórias contra o Estado Democrático de Direito e o sistema eleitoral, abuso de poder político e econômico com fins eleitorais e uma série de outras acusações. Se condenado em qualquer um deles, ficará inelegível por oito anos.

Há chances de reversão da inelegibilidade?

Com todo o contexto acima descrito, Renato Ribeiro de Almeida aponta que o TSE deverá “avaliar bem” o caso ao longo dos próximos meses. Mesmo com o pedido de vista, é improvável que o ex-presidente salve seus direitos políticos.

“Ele [Jair Bolsonaro] estaria naturalmente fora das todas as eleições a partir do final desse julgamento. Como o TSE é quem dá a palavra final em direito eleitoral, ou seja, dada a natureza do cargo porque se disputava o cargo presidencial, a instância final já é o próprio TSE, ao contrário do que acontece nas eleições municipais, por exemplo, que há um caminho todo recursal partindo da zona eleitoral, depois para o Tribunal Regional Eleitoral e, por último, o TSE em alguns casos", pontua.

Segundo o advogado, é provável que, caso o TSE confirme a inelegibilidade de Bolsonaro ao final do julgamento, o ex-presidente apresente recursos ao Supremo Tribunal Federal (STF). Almeida explica, contudo, que esses recursos se dão apenas "em matéria constitucional" e que as chances do ex-mandatário reverter a decisão são mínimas.

"Sendo o TSE a instância final, naturalmente, vai dar a palavra final em direito eleitoral. É possível que o ex-presidente acabe recorrendo, interpondo recursos ao Supremo Tribunal Federal? Sim, mas somente em matéria constitucional. A própria composição do TSE já é uma composição que conta com com três ministros do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, é muito difícil e eu não me lembro de cabeça de nenhuma situação em que tenha ocorrido algum tipo de recurso que foi julgado procedente no Supremo Tribunal Federal contra a decisão do TSE", atesta.

O jurista acredita que ao final do processo, o ex-presidente estará, sim, inelegível. E nada poderá fazer para reverter o resultado.

Entenda a ação do PDT

Entre tantos processos, hoje é julgado um específico, aberto pelo PDT. A ação de inelegibilidade foca única e exclusivamente na reunião que Bolsonaro fez com embaixadores, em julho de 2022, no Palácio do Alvorada, onde reiterou ameaças golpistas e repetiu teorias conspiratórias sobre as urnas e a democracia brasileira.

Quando anunciada, prometia ser mais ágil e exigir menos procedimentos e tramitações para avançar – o que está sendo entregue. Por exemplo, não há um pedido de produção de provas, que exigiria decisões judiciais e preparação para quebras de sigilos, perícias e obtenção de documentos. Pelo contrário, a ação do PDT se baseia em um evento filmado e transmitido na íntegra pela TV Brasil.

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O partido aponta que há um precedente do TSE, de 2021, justamente sobre esse tema: a possibilidade de inelegibilidade por conta de ataques à lisura das eleições. A decisão versava sobre a cassação do então deputado estadual paranaense Fernando Francischini, por conta de live realizada no dia das eleições de 2018.

A ação também aponta o uso do equipamento estatal na transmissão do evento, com o destacamento de equipes da TV Brasil. A emissora é vinculada à EBC (Empresa Brasileira de Comunicação) e Bolsonaro difundiu as imagens em suas redes sociais com fins eleitorais. O PDT também aponta que o local da reunião também era ilícito. Bolsonaro não poderia ter realizado um evento oficial como aquele em sua residência, o Palácio do Alvorada. O correto teria sido fazer a reunião no Palácio do Planalto.

De acordo com a ação, Bolsonaro desvirtuou a finalidade da reunião para fazer campanha e, além disso, voltou a propagar mentiras que atacam a lisura do sistema eleitoral e da democracia brasileira. “Ataques à integridade do processo eleitoral são o principal sustentáculo do discurso”, diz a ação.