CRIME CONTRA A SAÚDE

Prefeito bolsonarista de Bagé não entrega e cestas básicas enviadas por Lula estragam, denuncia vereador

Alimentos vencidos estavam guardados com veneno de rato; compradas em julho, cestas deveriam ter sido entregues até outubro do ano passado

Divaldo Lara, prefeito de Bagé, e Bolsonaro.Créditos: Facebook / Divaldo Lara
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O vereador de Bagé (RS) Lélio Nunes Lopes Filho, conhecido como Lelinho Lopes (PT), denunciou a prefeitura da cidade, de Divaldo Lara (PTB), por não distribuir as cestas básicas enviadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a estiagem no Rio Grande do Sul, em fevereiro do ano passado.

Por meio de suas redes sociais, na quinta-feira (15), Lelinho comunicou que foram encontrados alimentos vencidos armazenados pela Defesa Civil de Bagé em salas de aula de uma escola municipal, "enquanto mais de 2 mil cestas básicas ainda estão pendentes de entrega".

"Encontramos quatro salas de aula cheias de cestas básicas. Tinha em torno de mil cestas básicas quando nós fomos lá. E nós nos deparamos com várias situações de alimentos vencidos dentro da cesta", relata Lelinho, em entrevista à Fórum.

O vereador mostrou alimentos vencidos e contaminados no estoque de quase 3 mil cestas básicas da prefeitura de Bagé, que recebeu 10.800 cestas do governo federal durante o período de estiagem para garantir a alimentação da população atingida pelos efeitos do fenômeno climático.

"Lembram da denúncia sobre as 8 mil cestas básicas estocadas? Aproximadamente 3 mil ainda não foram entregues. Para piorar, a prefeitura está armazenando em local insalubre e deixando os alimentos perderem o prazo de validade!", escreveu Lelinho.

Em partes do vídeo, o vereador exibe dois pacotes de um quilo de farinha de trigo com datas de validades vencidas, previstas para maio e dezembro de 2023, e um pacote de feijão com validade expirada em agosto do ano passado.

"Aí há a presença de praga em grãos. Isso é um baita de um indício de falta de higiene e armazenamento incorreto. Então, só acontece quando um produto é armazenado por muito tempo em um local sem higiene porque um produto contamina o outro", aponta uma médica veterinária especialista em higiene de alimentos, mantida em anonimato.

No vídeo, também é exibido um pacote de veneno de rato que estaria junto dos alimentos "Armazenar veneno de rato com alimento é completamente errado, é proibido. Pode rolar uma contaminação química no alimento, e se a pessoa consumir o alimento, ela pode correr o risco de sofrer uma intoxicação", explica a profissional sanitária.

Raticida era aplicado para afastar ratos que roíam os pacotes de alimentos [Acervo Pessoal/Lelinho Lopes]

O raticida era aplicado em razão da presença de roedores atraídos pelas cestas repletas de grãos, indicando falhas graves no armazenamento e conservação dos alimentos. 

"Tinha saco de farinha, de arroz que estavam roídos. Tinha veneno de rato misturado com os alimentos porque eles sabiam que tinha rato naquele prédio por ser um prédio antigo, então eles espalharam aqueles saquinhos", narra acerca do que testemunhou.

De acordo com a bancada de oposição, formada por Lelinho e os vereadores Beatriz Souza, Cáren Castencio, Flavius Dajulia, Lelinho Lopes e Marlon Monteiro, a diligência ocorreu em resposta a diversas denúncias que alertavam para a distribuição de alimentos com data de validade expirada à população mais necessitada. 

"A inspeção, que tinha como objetivo verificar as condições das cestas básicas armazenadas, revelou uma realidade estarrecedora: quatro salas abarrotadas de itens de primeira necessidade que já deviam ter sido distribuídos, totalizando cerca de mil cestas básicas completas, onde muitos já ultrapassavam o prazo de validade estipulado", alega a bancada.

Lelinho conta que a prefeitura, liderada pelo bolsonarista Divaldo Lara, estava estocando os alimentos por alguma finalidade e que existe uma hipótese principal: "Nós suspeitamos até que seja a finalidade eleitoreira para poder fazer entrega mais perto das eleições".

Os vereadores informaram que foi encaminhada denúncia à Polícia Civil e ao Ministério Público Federal, solicitando uma investigação aprofundada sobre as práticas inadequadas na distribuição das cestas básicas, bem como ao desacato dos funcionários, em tentativa de hostilizar o trabalho dos legisladores.

Entrega atrasada

Em decorrência da estiagem no Rio Grande do Sul em fevereiro de 2023, o governo federal autorizou o repasse de recursos ao Município de Bagé, no valor de R$ 2.125.946,55, conforme publicação no Diário Oficial da União, no dia 5 de julho daquele ano. A verba seria destinada para a execução de ações de resposta ao estado de calamidade.

A aquisição de cestas básicas estava estabelecida entre as medidas "de suma importância a comunidade afetada pela estiagem que assola o município de Bagé, principalmente os moradores rurais que vivem da agricultura de pequeno porte", informa a descrição do processo.

Contrato da Defesa Civil de Bagé prevê entrega das cestas dentro de 180 dias

10.800 cestas básicas seriam distribuídas em um prazo de 180 dias, segundo o documento de 18 de julho. A Prefeitura de Bagé, contudo, não conseguiu efetuar a distribuição dentro do período estipulado, sob a justificativa de que o direcionamento de pessoal e recursos estava voltado para os transtornos gerados na chuva de granizo do dia 23 de setembro.

Em outubro do ano passado, os vereadores da bancada de oposição visitaram um atacado que serviu de depósito das cestas básicas. "Eles [atacado] tinham um cronograma acordado de que seria retirado em torno de 150 a 200 cestas básicas por dia, e, em um período de três meses eles conseguiriam fazer a entrega de todas as cestas", informa Lelinho.

Os vereadores de oposição gravaram um vídeo que mostra mais de 200 mil toneladas de alimentos que integram 8 mil cestas básicas em um galpão. Naquela época, tinham sido retiradas 2.309 cestas básicas e outras 8.491 estavam em situação de pendência de retirada, segundo ele. 

Com o prazo de entrega vencido, o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad) registrou uma solicitação de prorrogação de entrega para o dia 2 de fevereiro, aceita pela Defesa Civil Nacional na portaria nº 3.952, de 19 de dezembro de 2023. 

"Passado o dia 2 de fevereiro, eles não conseguiram entregar tudo. Então, entramos em ação de novo. Voltamos no atacado para conversar com o proprietário e ele nos disse que ainda tinha aproximadamente duas mil cestas que a prefeitura deveria ter retirado e entregue", comentou o vereador.

Segundo ele, quando procurada pela assistência social ou por pessoas em lista de espera pelo recebimento de cestas básicas, a prefeitura informa que não tem cestas básicas e "até diz que o governo do presidente Lula não mandou alimentos para Bagé".

Em relato captado pelo vereador na época, uma pessoa conta que esteve em uma unidade da Secretaria de Assistência Social, Trabalho e Direitos do Idoso (Smasi) e que a funcionária do local comunicou que não haviam cestas básicas disponíveis para distribuição e que "estava faltando comida, que ela não poderia dar [as cestas]".

"É muito grave o que a prefeitura está fazendo, entregando esses alimentos vencidos. Enquanto tem muita gente passando fome aqui, a prefeitura está estocando alimento. Além de ter um crime eleitoral, é também um crime contra a saúde pública, é esse o nosso entendimento", conclui.

Outro lado

A Defesa Civil de Bagé publicou uma nota que contraria a denúncia realizada pelos vereadores de oposição: "Nenhum alimento com prazo de validade vencido é entregue às famílias. [...] Os poucos produtos que porventura venceram ou estão por vencer são trocados com o fornecedor antes da entrega das cestas", esclarece.

Segundo o comunicado, a denúncia tem motivação alheia à fiscalização da saúde pública: "A Defesa Civil tranquiliza a população e ressalta que essa é mais uma ação politiqueira da bancada de oposição, desesperada em desqualificar o trabalho sério e contínuo que vem sendo realizado no atendimento da população necessitada de Bagé".

Leia a nota na íntegra:

A Defesa Civil de Bagé, por meio do coordenador Everton Kaupe, esclarece à população, em relação a denúncia feita pelos vereadores da oposição, que nenhum alimento com prazo de validade vencido é entregue às famílias.

Mais de 18 mil cestas básicas já foram entregues em decorrência de estado de calamidade pública decretados pela estiagem e pela chuva de granizo. Nenhuma delas continha alimento vencido , prova disso é que não foi registrada nenhuma reclamação da população nesse sentido.

Os poucos produtos que porventura venceram ou estão por vencer são trocados com o fornecedor antes da entrega das cestas, que são minuciosamente conferidas antes de sair para a rua.

A Defesa Civil tranquiliza a população e ressalta que essa é mais uma ação politiqueira da bancada de oposição, desesperada em desqualificar o trabalho sério e contínuo que vem sendo realizado no atendimento da população necessitada de Bagé.