POVOS INDÍGENAS

SOS povo Xokleng

Governo de Santa Catarina descumpre acordo, invade a terra indígena Ibirama-Laklãnõ com tropa de choque da PM e agride indígenas para fechar comportas da Barragem Norte; Entenda impactos

A Barragem Norte, em José Boiteux (SC), dentro da Terra Indígena Ibirama-Laklaño..Créditos: Renato Santana/Cimi
Escrito en MEIO AMBIENTE el

Matéria publicação na edição 80 da Revista Fórum Semanal.

Cerca de duas semanas após a deputada federal Caroline de Toni (PL-SC) anunciar que ocorreria um “banho de sangue” nas terras indígenas brasileiras com a derrota da tese do marco temporal no STF, a terra indígena Ibirama-Laklãnõ, localizada nointerior de Santa Catarina, onde vive o povo Xokleng, foi atacada pela tropa de choque da Polícia Militar no domingo (8). A ordem partiu do governador bolsonarista Jorginho Mello (PL), aliado da deputada, que autorizou a entrada das tropas no território para que as comportas da Barragem Norte, em José Boiteux (SC), fossem fechadas.

A Barragem Norte, localizada dentro da terra indígena Ibirama-Laklãnõ, tem 357 milhões de metros cúbicos de capacidade, segundo informe publicado pela Defesa Civil de Santa Catarina. Foi construída durante o regime militar com o intuito de diminuir as enchentes na região. Começou a operar em 1992, mas desde 2007 está abandonada.

O objetivo do governo do estado com o fechamento das comportas era segurar as águas das chuvas na antiga barragem a fim de reduzir o volume da cheia do rio Itajaí-Açu, que vem causando estragos em dezenas de municípios da região – sobretudo em Blumenau, onde a famosa Oktoberfest teve de ser cancelada. Antes da operação, no entanto, os indígenas avisaram que a medida não resolveria o problema.

Os Xokleng alegaram que o fechamento das comportas teria o efeito prático de alagar uma série de aldeias estabelecidas nos arredores da usina — que ainda oferecia o risco de um rompimento, com consequências muito mais
catastróficas tanto para os Xokleng como para os municípios construídos às margens do rio. Alertavam que uma tragédia semelhante à de Brumadinho poderia estar sendo gestada.

Barricadas armadas pelos Xokleng na madrugada. Reprodução/Twitter
PM chega à Terra Indígena Ibirama Laklaño. Reprodução/Twitter

A invasão

No sábado (7), a Justiça Federal em Blumenau autorizou a operação de fechamento das comportas. A decisão, assinada pelo juiz Vitor Hugo Anderle, atendia a pedido da Procuradoria do Estado e saiu pouco antes da meia-noite. No entanto, na madrugada um novo despacho pedia a averiguação técnica da barragem, que não foi feita.

Àquela altura tinha sido feito um acordo entre as lideranças do povo Xokleng, o prefeito de José Boiteux, Adair Antônio Stollmeier, a Defesa Civil, o Ministério Público Federal e o governo do Estado — representado por Jerry Comper, secretário de Infraestrutura.

Os indígenas autorizaram as operações nas comportas mediante uma série de compensações, como a desobstrução de estradas, atendimento 24 horas nos postos de saúde do território, a disponibilização de três barcos para transporte nas áreas alagadas, fornecimento de cestas básicas e água potável e ônibus para que possam acessar as cidades da região. Além disso, ficou decidido que as casas alagadas pelo fechamento das comportas seriam reconstruídas pelo estado em áreas seguras. No entanto, Jorginho Mello enviou a tropa de choque ao local.

Durante a madrugada, indígenas montaram barricadas nos acessos da barragem. Com violência, a tropa de choque rompeu as barreiras Xokleng, agrediu uma série de pessoas e cumpriu a ordem do governador.

Dois indígenas ficaram feridos e foram levados a um hospital próximo. Um deles foi atingidona cabeça por tiro de bala de borracha. Por centímetros não perdeu a visão.

Indígena ferido. Créditos Juventude Xokleng/Instagram

“A boa notícia que a gente consegue dar para a população de Blumenau é que conseguimos fechar as duas comportas de José Boiteux. Desde ontem (sábado, 7) estamos lutando lá. Há barreiras humanas, madeira nas estradas, eles queimaram os equipamentos. Reconstituímos os equipamentos e com ajuda de Blumenau conseguimos fechar a barragem. Isso vai fazer com que Blumenau tenha dois metros a menos de água. Mandamos soldar o acesso para ninguém ir lá fazer vandalismo”, declarou Jorginho Mello nas redes sociais logo após a operação.

Ingrid Sateré Mawé, liderança indígena, em entrevista à Fórum, questionou: “O que os indígenas são? A luta é pela vida de todos. É muito preocupante o que a gente está vivenciando no estado de Santa Catarina. Mais uma vez a gente vê o lucro acima da vida, e mais uma vez a gente tem a possibilidade de passar por uma situação muito trágica, que vai atingir hoje não mais só os povos indígenas, mas toda a população ao redor. Isso nos entristece bastante. Isso é um completo descaso com a vida dos povos indígenas. É algo que a gente enxerga nitidamente como racismo ambiental, em prol de uma necropolítica com a qual o estado toma controle de uma situação para escolher quais vidas são mais importantes e vão sobreviver”.

Ingrid Pohyn Sateré Mawé. Reprodução/Twitter

Justiça obriga Jorginho a cumprir acordo

Na tarde de domingo (8), a Justiça Federal em Blumenau realizou uma audiência sobre a disputa. Nela, o juiz Vitor Hugo Anderle determinou que o estado cumpra com sua parte do acordo. Ficou decidido que a Polícia Militar deveria deixar o território. Em seu lugar, conforme solicitado pelo Ministério dos Povos Indígenas, a Polícia Federal (PF) ficará na região para resguardar a comunidade e vigiar a controversa barragem durante dez dias.

A decisão também estabeleceu que o governo estadual tem até dez dias, o período da presença da PF no território, para apresentar um cronograma de atenções do acordo prévio. Além disso, Santa Catarina também deverá apresentar laudo ou estudo técnico que permita constatar a segurança e as consequências do fechamento da Barragem Norte.

Na noite de domingo (8), os indígenas alertaram que já naquela madrugada a barragem começaria a transbordar. Fontes da Fórum no território Xokleng enviaram um vídeo que mostra a velocidade com que a água estava subindo no local. Na terça (10), diversas famílias eram obrigadas a deixar suas residências na terra indígena Ibirama-Laklãnõ. Além das casas, as áreas alagadas também continham cultivos de batata, mandioca, legumes e verduras.

Estrada obstruída na Terra Indígena Ibirama-Laklaño. 8 de outubro de 2023. Créditos: Juventude Xokleng